O que houve comigo?
Estou preso nessa maldita cama! – Por mais que ninguém me diga, sei que
não voltarei mais andar. O maldito velho me contou. Os últimos três
meses foram difíceis para mim, mas nem sempre foi assim.
Eu era vocalista de uma banda de Black Metal chamada Apolion. A maioria
dos nossos shows era no estado do Rio de Janeiro, mas tocamos algumas
vezes em alguns festivais em São Paulo.
Nos dias de semana trabalhava como entregador de pizza. Independente do
calor sempre estava na minha moto usando blusas pretas, e o meu
crucifixo invertido.
Não ganhava muito dinheiro, mas o suficiente para a minha cerveja e meu
cigarro. Minha frase favorita era: É melhor reinar no inferno do que
servir no céu. -Frase criada pelo meu escritor favorito John Milton.
Não que eu fosse um satanista, ou coisa parecida, queria apenas causar
um certo impacto em meus familiares e algumas pessoas, que achavam que
“cagavam mais cheiroso” que a maioria .Há uns três meses passei a
observar que não importava onde eu estava, um senhor vestido com um
terno marrom desbotado, sempre estava a espreita, me observando.
Passei a ter pesadelos com essa figura, acordava de madrugada apenas
para cobrir os meus pés, alguma coisa me dizia que uma mão coberta por
alguma substancia gelatinosa podia surgir de baixo da minha cama e
agarrar meus calcanhares, e que a única salvação era mantê-los cobertos.
Há exatamente três meses atrás voltava para casa na minha moto depois de
um dia exaustivo de trabalho. A estrada estava deserta, não cruzava com
ninguém havia uns cinco minutos, só a luz da lua testemunharia o que
estava prestes a acontecer.
Reparei de rabo de olho, alguém no acostamento montado em uma bicicleta
azul, assim que passei por ele, percebi que vinha atrás de mim. Pelo
espelho da minha moto eu sabia quem era: era o velho! As batidas do meu
coração aceleraram, ele vinha rápido demais, não era humano.
Acelerei o máximo que minha velha moto permitia, mas ele parecia ser mais rápido; se aproximava em uma velocidade assustadora.
O velho pulou da bicicleta e passou a me seguir de cócoras, a pose dele
me lembrava a de um Guerpado. O som que ele emitia era semelhante a o
latido de um cachorro. O suor percorria todo o meu corpo. Minha cueca
estava encharcada do que eu esperava ser apenas suor.
Desesperado e sem conseguir me controlar acabei caindo da moto. A dor
era imensa. Toda a extensão do meu corpo doía. Sabia que ele estava
próximo, podia vê-lo se aproximando pelo canto do olho, mas diabos, meu
corpo não queria se mexer.
Ele se aproximou de mim. Não estava mais de cócoras. Agora ele estava
girando o torço num movimento de trezentos e sessenta graus. E
continuava fazendo aquele som que me lembrava latidos de cachorro.
-Olha quem está aqui. O garoto rebelde! Disse o velho mostrando uma fileira de dentes podres.
-Quem é você? Conseguir perguntar com uma imensa dificuldade.
O velho agachou ao meu lado deu um tapinha na minha testa e respondeu:
- Vim realizar o seu desejo. O de reinar no inferno.
-Você vai passar o resto da sua vida travado em uma cama, tendo
tratamento de um rei, não precisando nem limpar a própria bunda, não vai
ser o máximo. Perguntou o velho abafando um risinho com a palma de sua
mão.
-Não, não pode ser. Balbuciei.
-Não se preocupe. Nada vai faltar a você, sua mãe vai ganhar um prêmio
na loteria amanhã, e nada vai faltar ao filho acidentado dela.
-Eu apenas falava da boca para fora. Disse num misto de desespero e lágrimas.
-Eu sei disso. Você é do tipo que durante o dia brinca com o cão e
quando a noite cai, faz as suas orações porque ouve sussurros durante a
noite que quase o faz perder o controle dos intestinos. Pessoas como
você existe aos montes.
-Eu sou um observador garoto. Estou ai por muito tempo, não pertenço nem
ao céu nem ao inferno. Quer saber a verdade? Nunca vi nenhum maldito
anjo e nenhum maldito demônio.
- E olha que sou mais velho do que aparento ser.
-Sua raça me enoja. Vocês têm consciência da fragilidade de vocês?
Uma pequena pancada na cabeça poderia por o fim a miserável vida de vocês.
Seu pai pode sair para trabalhar e não voltar nunca mais sabe por quê? –
Porque tropeçou na porra do cadarço do sapato e bateu com a cabeça em
algum lugar.
-Nunca te faltou nada, mas mesmo assim você sempre procurou passar a imagem de rebeldia, de ódio.
-Agora aceite o preço. Você é um rei.
-Da próxima vez, cuidado com os seus pensamentos na estrada.
Conto recebido por email
Autor: Fernando Barreto.
Os direitos sobre este conto pertencem ao autor e cópias somente podem ser feitas com sua autorização expressa
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